quinta-feira, 14 de novembro de 2013

No País das Maravilhas


"Para Maria das Graças 

Agora, que chegaste à idade avançada de quinze anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
 Este livro é doido, Maria. Isto é, o sentido dele está em ti. Escuta: se não descobrires um sentido na loucura, acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca. Nem o papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: “Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?” Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. “Quem sou eu no mundo?” Essa indagação perplexa é o lugar comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrastes essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira. A sozinhez (esquece essa palavra feia que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: “Estou tão cansada de estar aqui sozinha!” O importante é que conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço!
Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice versa, isto é, fechar uma porta bem aberta. Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo. Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave. A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes ao dia: “Oh, I beg your pardon!”. Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato.
Foi o que o rato perguntou à Alice: “Gostarias de gatos se fosse eu?”. Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! Mas quem ganhou?” É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não sabe quem venceu. Se tiveres que ir a algum lugar, não te preocupes com a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste. Disse o ratinho: “Minha historia é longa e triste!” Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: “Minha vida daria um romance.” Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só um jeito de contar um vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e mulheres que suspiram e dizem: “Minha vida daria um romance!” Sobretudo dos homens. Uns chatos, irremediáveis, Maria. Os milagres acontecem sempre na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrario do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo”. Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente. E escuta essa parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo como hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha.
 Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma maquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar em disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor. Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. 

Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado Maria, com as grandes ocasiões. Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: “Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas”. Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: é feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira da nossa dor, Maria da Graça."

Paulo Mendes Campos

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Chega mais perto e contempla as palavras



"Tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

e tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado"

Alice Ruiz



"Que eu saiba puxar lá do fundo do baú o jeito de sorrir pros “não” da vida."

Caio F. Abreu

Aquele encantamento




"Aquilo que provamos quando estamos apaixonados talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra ao homem como é que ele deveria ser sempre."
Anton Tchekhov





"Entre muitas outras coisas, 
tu eras para mim uma 
janela através da qual podia ver 
as ruas. Sozinho não o podia fazer."
Franz Kafka







"Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
                                                                      Porque metade de mim é a lembrança do que fui
     A outra metade eu não sei..."
Oswaldo Montenegro

É viver cada segundo ...





"Assim que vi você
Logo vi que ia dar coisa
Coisa feita pra durar,

Batendo duro no peito
Até eu acabar virando
Alguma coisa
Parecida com você
Parecia ter saído
De alguma lembrança antiga
Que eu nunca tinha vivido,

Mas ia viver um dia
Alguma coisa perdida
Que eu nunca tinha tido
Alguma voz amiga

Esquecida no meu ouvido
Agora não tem mais jeito,
Carrego você no peito
Poema na camiseta

Com a tua assinatura
Já nem sei se é você mesmo
Ou se sou eu que virei alguma coisa tua"
Alice Ruiz

Meu avesso



"Pode parecer promessa
mas eu sinto que você é a pessoa
mais parecida comigo
que eu conheço
só que do lado do avesso

pode ser que seja engano
bobagem ou ilusão
de ter você na minha
mas acho que com você eu me esqueço
e em seguida eu aconteço

por isso deixo aqui meu endereço
se você me procurar
eu apareço
se você me encontrar
te reconheço."


Alice Ruiz



domingo, 8 de setembro de 2013

O dia que a Lua me escreveu uma carta


    
    Ao receber o envelope me surpreendi, talvez porque a tanto tempo não recebia uma carta, ou porque ela era de uma pessoa que admiro muito. Há admiro por ter o dom das palavras, de tocar nossa alma com pequenas frases que demonstram grandes sentimentos, há tantas razões pelas quais eu sou sua fã, que com certeza me perderei tentando enumerá-las...

  •  Ao ler tua escrita me reencontro com a ingenuidade que perdi a tempos com as intempéries da vida.
  •  Quando leio algo que tem haver com o que estou sentindo, fico leve, como se você tivesse dividido minhas angustias e aumentado minhas esperanças.
  •  Tens o dom da palavra, que consola, que acaricia, que esclarece aquilo que muitas vezes deixamos nublados em nosso coração.


    Guardarei comigo esta carta, como um pedacinho seu que deste a mim, pois até chegar aqui, houve todo um ritual de escrevê-la, escolher qual caneta usaria, qual papel seria melhor e também a expectativa de endereçá-la a mim, sem saber de pronto, como seria minha reação... É isto que eu sinto que se perdeu nos dias de hoje, esse ritual sutil e maravilhoso de trocar emoções em pedacinhos de papel, mas diferente de tantas outras coisas que foram esquecidas, você hoje me trouxe de volta a memória da possibilidade de mesmo longe, sermos cúmplices.


    Ouso ainda dizer que estive comigo no passado, quando eu escrevia cartas que nunca seriam lidas, onde no meu mundo, escrever era uma das melhores formas de desafogar o coração, de mostrar a mim e talvez ao mundo quem eu realmente era.



Teu nome tem Lua, que tanto admiro pelo mistério e fascinação que causa, e por conseguir ser tantas, sendo apenas uma.
Você é minha utopia realizada.

     Em um dos teus bilhetes, me disse algo que sem saber, era tudo que eu sempre precisei fazer, porém nunca o fiz. Sempre ouvi o coração das outras pessoas, suas tristezas e preocupações, não que eu seja perfeita, mas parte de mim sente tanto, que esquecia de ouvir meu coração.



    Por tudo te agradeço, e tenho certeza de que terás muito mais sucesso do que já tens, pois o que faz, faz de todo teu ser, e talvez seja isso que torne tudo tão especial.

Para Luara com carinho ...

domingo, 31 de março de 2013

"Ela não precisava ser salva.Mas, se ele tentasse, ela ia gostar."*




"– E se o amor não for uma coisa que aconteça com a gente?
– Como assim?
– E se o amor for uma coisa que a gente deixa acontecer?"

  Gabito Nunes





"Você não reconhece o dia mais importante da sua vida. Não até que você esteja bem no meio dele. O dia em que você se compromete com algo ou alguém. O dia em que partem seu coração. O dia em que você conhece sua alma gêmea. O dia em que você percebe que não há tempo suficiente porque você quer viver para sempre... Esses são os dias mais importantes. Os dias perfeitos."

Grey's Anatomy


* Título da autora Briza Mulatinho

Meio vazio



"Não adianta, o copo estará sempre meio vazio. No girar do mundo,  prefiro continuar na minha zona de conforto cinza, limitando-me de sonhar com aquelas coisas que provavelmente não realizarei. Saio vivendo, apenas. Ando pela rua e vejo os sorrisos Colgate das pessoas. Não consigo. Não acredito que tenha nascido para fazer parte desse exuberante comercial de margarina do qual as pessoas dizem e tentam fazer parte. Não gosto de novela.



 Se for para definir, minha vida é um filme francês, com um amor parisiense e aquele clima melancólico dos filmes com o Louis Garrel. Não sirvo. Não me encaixo. Não sei disfarçar insatisfação e nem estampar um brilho no olhar e um sorriso meia boca só para agradar. A vida deveria ter mais Photoshop. Permaneço com a cara feia. A raiva explícita e uma certeza: o copo estará sempre meio vazio."

Um texto lá dos confins de 2011.


Texto e imagem de autoria da Luciana Brito
 do blog Caixa Preta

Desses que doem nos olhos e no coração*




"Aproveite os bons ares de Buenos Aires para expirar J. L. Borges e inspirar O Aleph. Aquele ponto imaginário e jogado no infinito: o início e o fim de todas as coisas: onde cabe tudo e nada cabe, onde os sonhos se comprimem em alguma realidade distante e tão próxima para curar e estancar todas as dores que insistem em nos fazer sangrar. Jorge Luís Borges, mesmo quando usa uma linguagem complicada, no fundo só quer dizer uma coisa: que ama. E quando diz que ama, só quer dizer: que vive. E quando diz que vive: só quer se aproximar cada vez mais da morte. E morrer não é não mais respirar: é não querer enxergar a beleza da vida. E para isso não é preciso de olhos, de visão: sonhar é a mais bela forma de ver o mundo. Borges, de tanto amar e não ser compreendido, ficou cego. E mesmo cego, encontrou novas maneiras de sonhar o mundo e admirar a poesia. Infeliz deve ter sido por não ter conhecido a grandeza dos seus olhos negros. Com certeza seriam O Aleph de todas as belezas e de todas cores do mundo. Eu conheci os seus olhos: eu estive no seu mundo. E através deles vi o início e o fim das coisas, vi que tudo tem um começo, um meio e incontáveis fins, vi também que o amor é um ponto distante no universo onde cabe tudo e nada cabe, onde os sonhos se comprimem em alguma realidade distante e tão próxima de nós e nos curam de todas as dores que insistem em nos fazer sangrar. [estanque-me; antônio]"
Eu me chamo Antônio

*Título retirado de um das crônicas da Marla de Queiroz

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Minha flor de lótus

Nunca fui boa com começos e muito menos com o fim de nada (risos),acho que me encontro no meio,de tudo aquilo que esta entre o que é sonhado e o que é vivido,mas entre esses dois universos,encontrei uma inspiração que me fez querer abraçar o mundo, dizer as pessoas que a vida não é tão feia ou complicada como a maioria pinta,me deu vontade de ser alguém melhor, quando vi o dom daquela moça, percebi que ela não poderia passar pela minha vida assim,então tive que retê-la de alguma forma, porque depois que descobrimos, quão belas são as cores de um arco-íris, fica tão sem graça continuar vendo a vida em preto e branco, e foi isto que pude sentir de alguém que mal conheço, mas que com sua escrita, impôs uma sensação de liberdade,me mostrou que por vezes,escolhemos enxergar o lado mais escuro da vida, pois não suportamos a sensação do que a luz e a realidade nos proporcionariam,aí sofremos,choramos,magoamos e nos tornamos crianças perdidas,a procura de um caminho,que na verdade,nunca se perdeu... Ele esta na nossa frente, mas isso só pessoas com tamanha maturidade são capazes de ver, e foi este brilho que vi nela,me conquistando por completo,você deve estar pensando que sou daquelas que ama o presente sem nem desembrulhar o pacote, e realmente sou dessas,assumo que quando sinto que ganhei algo importante,sincero,imperfeito,afinal todos somos (adoro pessoas que são humanas e assumem isso,alias tenho admiração por tal feito) o que esta dentro é o que menos importa,pois no momento em que me senti viva novamente,ela nasceu em mim,de um jeito único e especial que minhas pobres palavras não sabem descrever...é um misto de êxtase,admiração,empatia,afinidade e fé,sim fé, no mundo, nas pessoas,em mim mesma e em tudo aquilo que me assombra quando a noite tento dormir,mas meu coração não deixa.

Sei que não encontrei o paraíso, mas sim um flor de rara beleza,que pretendo cultivar em mim, dentro do meu coração, da melhor maneira possível,sei que isto é apenas o inicio de um encantamento que pode durar ou valer por uma vida,portanto,que ela venha desabrochar em meu coração: Camila Heloíse.

 Na verdade eu te esperava, de uma forma meio mágica, sabia que existiria alguém que seria capaz de transformar minhas crenças em lindos versos e me ajudar a reaprender a ver a vida de uma forma mais doce,mais amena,com menos dor e muito mais amor.
Confesso que me sinto tímida e envergonhada ao lhe mostrar palavras ditas com o compasso de um coração que bate por vezes acelerado e em outras lento demais, mas eu trairia a mim mesmo, se não tentasse,mesmo que de uma forma ínfima, dizer o quanto nosso "encontro" é,foi e sempre será especial pra mim.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

As vezes menos é mais



"Sempre me achei diferente de todos. Não, eu não me sentia mais especial que o resto da humanidade. Me sinto diferente porque sempre senti diferente. Falo de intensidade e sensibilidade. Sofri um muito, aprendi em dobro. Descobri que a gente nunca deve insistir em quem só aprendeu a subtrair."
Clarissa Corrêa

Como foi que eu me perdi nessa caminhada




"Tenho o péssimo hábito de esquecer onde guardo as minhas coisas. Pior, apenas lembro que elas existem quando volto a vê-las. É verdade, tenho uma mente dispersa e um jeito atrapalhado de lidar com quase tudo. Embora acumule muitos planos e um “tantão” de expectativas, quando percebo o tempo passou e eu vivi apenas com aquilo que estava à altura dos meus olhos. Há muita coisa perdida em mim e que, no fundo, não gostaria que estivesse. Várias coisas caíram no esquecimento contra a minha vontade – por pura displicência. A sorte é que a vida se encarrega de deixar armazenado tudo que um dia marcou e, cedo ou tarde, a gente se depara com lembranças, pessoas, sensações, que se desprenderam do “nosso mundinho”.
Independentemente da presença ou ausência, você pode deixar fluir, sem ruir…"
Fernanda Gaona


"Até que um dia, por astúcia ou acaso, depois de quase todos os enganos, ela descobriu a porta do labirinto. (…) Nada de ir tateando os muros como um cego. Nada de muros. Seus passos tinham - enfim! – a liberdade de traçar seus próprios labirintos."
Mário Quintana


O que é Humano



"Diante da fragilidade da própria Vida, somos nós quem nos dissolvemos. Apesar das ignorâncias e dos medos que nos desviamos, além das tristezas e das mesquinharias de que nos protegemos, o homem coleciona suas inevitáveis tragédias. Há misérias ilusoriamente particulares nossas que cedo ou tarde tomam forma, peso, densidade, ganham eco, força, intensidade e contaminam o ar, envenenam o tempo, arruínam os outros. Na soma dos nossos dias, inevitavelmente perdemos. Afinal, qual o alcance das nossas ganâncias? Qual a culpa dos nossos descasos e a extensão dos nossos erros? Jardim crescido que abandona semente também não floresce. Fruto maduro que não se dedica à boca alheia inteiro apodrece. E não há nesta terra poesia que nos salve dos nossos silêncios, filhos da omissão, nem das profundas dores, irmãs da perda, do desespero e do desamparo. Assim, hoje me cabe pedir licença aos meus habituais egoísmos para condoer e exercitar adormecida compaixão. Se não há dor maior do que aquela que a gente sente, despertenço-me para doer no outro a Alma que se apagou com forte vento. Que Deus tenha piedade de nós."
Guilherme Antunes

domingo, 27 de janeiro de 2013

Reply



"Imagine que tenho uma mala muito pesada com um milhão de moedas de ouro. As alças ficam penduradas no meu pescoço, me forçando a cabeça pra baixo, retesando os músculos do olhar pra frente.

Vez ou outra, uma pessoa da rua passa e tenta me roubar. Mas, por mais que esteja tão pesado e doendo e estragando a minha coluna, luto até a morte pra proteger a tal da mala. Automaticamente me atiro contra o chão, como se protegesse um filho das balas. São terríveis esses quilos centralizados no ponto mais fraco do meu corpo, mas pra violência a gente não entrega nem os fardos.
Dai, também, às vezes, uma pessoa da rua se oferece pra carregar a mala pra mim. Ou pra guardar em sua casa. Ou pra dividir o peso ao estilo “uma mão em cada alça”. Também não consigo entregar meu arqueamento e tamanho para essas pessoas. O amor gentil nunca me conquistou. Gentileza é coisa pra quem nunca será íntimo. Solidariedade é coisa pra campanha política. Felicidade é pra quem se conforma em ficar num lugar só porque está bom.

Mas muito de vez em quando, como aconteceu com a gente, aparece uma pessoa que não me pede nada e pra quem eu tenho vontade de entregar cada moeda da minha mala com um milhão de moedas de ouro. Tome, leve, gaste, use, encha a sua banheira com elas e depois me mande uma foto.
Eu sou uma mendiga ao contrario. Eu ando pelo mundo implorando pra que alguém aceite a minha riqueza. Fico sentada no chão, tocando meu instrumento, com um chapéu imenso e lotado. E a plaquinha “por favor, não me ajude”. Muitas pessoas passam, mas pra poucas me levanto.
Posso ficar horas tentando te explicar. Você tem um resto perdido e solitário de sobrancelha ao lado da sobrancelha esquerda. Você tem pequenos buracos entre os dentes de baixo. Você molha o lábio com a língua ainda mais seca que seus lábios, quando está nervoso. Você joga seu maxilar inferior pra frente quando a risada é de deboche. Você joga o seu maxilar superior pra frente quando a risada é de timidez.
Você atravessou a rua com as mãos congeladas dentro do bolso. Você pede perdão pela sua parte playboy com a doçura e a sinceridade de um poeta descalço. Você me convida pra almoçar no restaurante onde terminamos e, porque sabe ser piadista exatamente do jeito que combina comigo, explica detalhadamente onde é o lugar como se eu não lembrasse dele todos os dias.

Eu vejo a palavra “reply” no meu celular e, só porque tem a letra “y”, a letra mais forte do seu sobrenome, sinto de leve um chutinho atrás dos meus joelhos. Eu poderia ficar horas te explicando por que eu acho que é amor.
Você outro dia fez o exercício contrário. Ficou tentando me explicar por que não é amor. Falou da minha amargura verborrágica, das minhas fases com remédios que causam anorgasmia, do quanto odiava quando eu tentava extrair mais e mais e mais do seu peito protegido pelas várias jaquetinhas modernas que parecem paletozinhos mas têm zíper e, por fim, disse que apesar de não simpatizar com elas, prefere as meninas que te fazem sentir de férias em um spa relaxante.
Não são por essas coisas que não se ama. Não são por essas coisas que se ama. Essas são apenas as coisas sobre as quais conseguimos falar na nossa ânsia de ocupar a cabeça enquanto nos encaramos um pouco assustados.
A verdade é que, no meio da multidão, estamos carregando nossas malas pesadas de riquezas e belezas e sentimentos. E uma hora, só porque acontece e não se pode explicar sem parecer ingênuo e arrogante, escolhemos uma pessoa que nos leve.

Eu sei que é amor porque eu te escolhi pra me levar e, mesmo você não tendo aceitado, eu fui.
Eu te vi atravessando a rua com as mãos frias dentro da “jaquetinha paletó que tem zíper” e fui lançada sem tempo de pena. Você não sabe, você não vê, você não quer, você não se importa. Mas, no último segundo do sinal fechado, eu abri a janela do meu carro e joguei a mala com milhões de moedas de ouro.
A mala não te atingiu, caiu meio metro antes do seu último passo. Nem o som do meu peito desmoronado, nem o cheiro do meu amor metalizado, nem a luz da minha devoção dourada. A mala espatifou no meio da avenida caótica pela chuva e pela véspera do feriado. Os famintos, os entediados, os pobre-ninguéns, os todos-os-outros, se engalfinharam pra tirar proveito do amor que, lançado ao homem sem mãos aparentes, agora ficou esparramado, exposto e restante no asfalto, como um resto de feira reluzente."
Tati Bernardi

Memórias e cansaços



"Você precisa fazer alguma coisa, as pessoas dizem. Qualquer coisa, por favor, as pessoas dizem. O que não dá é pra ficar assim. Nem que seja piorar, nem que seja enlouquecer. Olho o rosto das pessoas. Tem os ossos, dai tem a parte de dentro. Tem os olhos e tem o fundo dos olhos. Da boca saem esses sons. De repente alguém encosta em mim. Pra perguntar com o quentinho da mão se estou ouvindo e entendendo. Sorrio e torço pra pessoa ir embora. Torço pra alguém chegar, só pra torcer bem pouquinho por algo. Mas dai a pessoa começa a falar e torço pra pessoa ir embora. Não tem o que fazer, não tem o que dizer, não tem o que sentir. Sou uma ferida fechada. Sou uma hemorragia estancada. Tenho medo de deixar sair uma letra ou um som e, de repente, desmoronar.
Quando toca uma música bonita, minha ironia assovia mais alto. Um assovio sem melodia. Um assovio mecânico mas cuidadoso, como tomar banho ou colocar meias. Outro dia tentei chorar. Outro dia tentei abraçar meu travesseiro. Não acontece nada. Eu não consigo sofrer porque sofrer seria menos do que isso que sinto. Tentei falar. Convidei uma amiga pra jantar e tentei falar. Fiquei rouca, enjoada, até que a voz foi embora. Tentei aceitar o abraço da minha amiga, mas minha mão não conseguiu tocar nas costas dela. Não consigo ficar triste porque ficar triste é menos do que eu estou. Não consigo aceitar nenhum tipo de amor porque nenhum tipo de amor me parece do tamanho do buraco que eu me tornei. Se alguém me abraçar ou me der as mãos, vai cair solitário do outro lado de mim.
Se eu pudesse usar uma metáfora, diria que abriram a janela do meu peito e tudo de bom saiu voando. Eu carrego só uma jaula suja e escura agora. Se eu pudesse usar uma metáfora, eu diria que tiraram as rodinhas dos meus pés. Eu deslizava pelo mundo. Era macio existir. Agora eu piso seco no chão, como um robô que invadiu um planeta que já foi habitado por humanos. Mas eu não posso usar metáforas porque seria drama, seria dor, seria amor, seria poesia, seria uma tentativa de fazer algo. E tudo isso seria menos.
Não briguei mais por você, porque ter você seria muito menos do que ter você. Não te liguei mais, porque ouvir sua voz nunca mais será como ouvir a sua voz. Não te escrevo porque nada mais tem o tamanho do que eu quero dizer. Nenhum sentimento chega perto do sentimento. Nenhum ódio ou saudade ou desespero é do tamanho do que eu sinto e que não tem nome. Não sei o nome porque isso que eu sinto agora chegou antes de eu saber o que é. Acabou antes do verbo. Ficou tudo no passado antes de ser qualquer coisa. Forço um pouco e penso que o nome é morte. Me sinto morta. Sinto o mundo morto. Mas se forço um pouco mais, tentando escrever o mais verdadeiramente possível, percebo que mesmo morte é muito pouco. Eu sem nome você. Eu sem nome nós. Eu sem nome o tempo todo. Eu sem nome profundamente. Eu sem nome pra sempre."
Tati Bernardi

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Dois Estranhos




"E terminaremos do mesmo modo em que começamos, seremos dois estranhos. 
Meu beijo não fará mais falta, e teu corpo não me será mais necessário.
Acabaremos como toda história real, cada um para o seu lado vivendo uma vida comum.
Terminaremos assim, dizendo um até logo sem emoção, com um beijo na bochecha de bons amigos.
Ficaremos com as lembranças, mas essas não mais machucarão.
Lembraremos das tardes, das noites, quem sabe sorriremos ao lembrar, quem sabe não.
Veremos as fotos e notaremos principalmente de como nossa pele era jovem, e de como aquela roupa ficava bem.Nos tornaremos estranhos, indivíduos comuns diante um do outro.
Passaremos a nos chamar silenciosamente de 'um amor' antigo, se chegar a tanto.
Nos esbarraremos na rua, perguntaremos como vai a vida, o emprego, se já casou.
Sorriremos e talvez venhamos a rir ao recordar de uma velha aventura vivida a dois.
Ficaremos felizes pelo encontro, mas logo então um de nós dirá que está atrasado.
Marcaremos de nos encontrar, aqueles encontros que nunca acontecem.
E mais um vez seguiremos cada um seu rumo.
Talvez olhemos para traz, talvez não.
E daremos mais uma vez aquele 'até logo' frio, aquele 'tchau' de bons amigos.
E ninguém notará que entre nós existiu um amor, uma paixão louca e um querer impossível.
Ninguém notará que fomos íntimos, cúmplices, apaixonados.
Ninguém vai perceber que alí existiu intensidade, vontade e calor....talvez nem a gente!
E voltaremos então a ser o que fomos no início, dois estranhos, nada mais que conhecidos."
Hosana Lemos



"...O tempo é traiçoeiro,
me engana sempre e me faz não ter mais tempo
do tempo que antes tinha pra te ter por perto.

Venha hoje a tarde, faça toda essa dor sumir.
Me olha de volta, 
me conta uma história sua, 
vamos sair na chuva 
como naquele dia. 
Vamos inventar qualquer coisa nova. 
Falar do que nos faz felizes ou do que ainda dói. 
Qualquer coisa nossa
pra depois lembrar.
Sentir..."
Via  Felicidade Clandestina

Essa sensibilidade que faz mover



"Talvez naquele dia assim calado, o amor tivesse adormecido.
Tomou chá de sumiço e desapareceu de mim.
É que sinto meus sentidos se perderem,
e desde então sinto que não escrevo como costumava escrever,
não vivo do modo como deveria viver. 

Aliás, viver tem me parecido um porre, e dos brabos,
do tipo que sai cortando toda a vertente do que se pode vir a sentir.
Os dias tem me deixado ressaquiada o bastante
pra qualquer coisa que ainda me reste fazer.
Tenho dormido no máximo três ou quatro horas por noite,
tenho sonhado bem menos do que costumava sonhar.
Acordo, ligo o automático e vou trabalhar.

Vou mas torno a voltar.
Sou.
Só.
Pedaço daquilo que fui.
Um coração sem portas ou janelas, 
ninguém entra, ninguém sai.


Eu sei todo o trajeto de volta.
Talvez seja exatamente por isso que nunca volto para o mesmo lugar. 
Não vê?
Sou toda submersa num  mar azul,
na espera de algo que possa me remover. 
E nessa aguardo, tenho me guardado pra sabe-se-lá-o-quê. 
Roda a vida inteira do lado de dentro de mim.
Me sirvo de palavras que saem quentes por entre os dedos,
apesar de Dezembro ser mês avassalador de saudade e frio.

Será que o tempo ainda me prova que tem quem diga algo que possa fazer sentido,  

sem que posteriormente eu tenha que sentir muito no fim? 
Em qual parte do caminho meus olhos desaprenderam a falar a língua dos teus?
Pra onde foi toda aquela poesia? 
Pra onde foi tudo aquilo?
O que eu queria?
Dizer."


via Felicidade Clandestina
http://felicidadeclandestinag.blogspot.com.br/

O que é só caminho, o que é lugar pra morar




"É preciso driblar o vazio, a completa falta ou excesso de tempo. Dois extremos. Evitar esse isolamento inconsciente, mesmo que seja de mansinho.

É necessário manter os alicerces para que a casa não caia, e quando falo em 'alicerces' me refiro à base, àquilo que sustenta, e você sabe. Manter família, em qualquer estado que seja, sendo ela desestruturada ou não, porque é o amor que nos veio pronto antes mesmo de botarmos os pés nesse chão. Manter laços não sanguíneos com um ou dois gatos pingados, pra perceber que qualidade difere de quantidade de pessoas.

É necessário (re)aprender a viver apesar dos tombos, porque tão necessário quanto (re)aprender é entender que nem sempre iremos tropeçar em algo maravilhoso. Vai ver a vida seja essa coleção infindável de tropeços até que finalmente se aprenda a andar. No meio dela a gente faz de conta que quer desistir, chora, sonha acordado, fala alto com o nada naquelas vezes-de-querer-falar-com-ninguem. Mas a sede de existir é tão maior do que possamos imaginar que a gente logo volta à tona, se levanta e torna a cair como numa dança involuntária-alucinógena-incansável entre realidade e fantasia, onde todo mundo entra na roda, sem exceções."


via Felicidade Clandestina
http://felicidadeclandestinag.blogspot.com.br



a gente insiste e quer não precisar daquilo que sente. começa a guardar tanta coisa e nada ao mesmo tempo. ficar bem, minha querida, é ter que lutar com feras todososdias, o que incluí as de dentro, as mais arredias. vista suas pequenas coragens e fixe o olhar adiante: as armas estão em nossas mãos.

[te desejo uma força que não cabe imaginar  
e uma fé que move.]
Renata Carneiro